12 Agosto 2023
Stepanakert, a capital de Nagorno-Karabakh, está no limite. “O Azerbaijão nos sitia há meses, estamos sem gás, luz, pão”.
A reportagem é de Roberto Travan, publicada por La Stampa, 10-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“O meu país transformou-se num imenso campo de concentração, o mais sofisticado desde os tempos da Segunda Guerra Mundial". Palavras pesadas como pedregulhos jogados por Araik Arutyunyan, presidente de Nagorno Karabakh, para a Europa e o mundo. A partir de 12-12-2022 o enclave armênio está de fato completamente isolado: o Azerbaijão, que continua a reivindicar sua soberania, fechou o Corredor de Lachin, a única via de acesso, impedindo o abastecimento de alimentos e itens de primeira necessidade, 400 toneladas de mercadorias por dia.
“Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia” escreveu Marut Vanian em sua página do Facebook onde há oito meses anota dia após dia a lenta agonia de Stepanakert, a capital. A cidade está de joelho, os estoques de alimentos reduzidos a nada, as lojas literalmente esvaziadas. Há tempo começaram os racionamentos e a próxima safra, devido à escassez de combustíveis e fertilizantes pelo bloqueio do Azerbaijão, cairá 70%: em breve será impossível alimentar toda a população. Os azeris também cortaram o fornecimento de eletricidade, gás e água potável.
São os números que explicam com eloquência o drama que está enfrentando essa pequena República encastoada no sul do Cáucaso: 240 dias ininterruptos de isolamento, 120.000 pessoas literalmente mantidas como reféns, das quais 8.450 gravemente doentes sem tratamentos adequados, 2.000 mulheres grávidas sem assistência, 30.000 crianças e 20.000 idosos em situação de risco de desnutrição, 9.000 portadores de deficiência deixados à própria sorte.
Mapa de Armênia e Azerbaijão. Em destaque, a região de Nagarno-Karabakh (Imagem: Wikipédia)
A Europa e os Estados Unidos lançaram numerosos apelos para levantar o cerco e evitar a emergência humanitária, convites que inexoravelmente caíram no vazio. “Se a Armênia concordar em se abster de quaisquer reivindicações territoriais contra o Azerbaijão, acho que será realmente possível assinar um tratado de paz até o final deste ano. Caso contrário não haverá paz”, esclareceu o presidente azeri Ilham Aliyev em 21 de julho último. Será guerra novamente, então, porque Yerevan dificilmente abandonará à sua sorte o Nagorno Karabakh, terra em que a defesa das profundíssimas raízes armênias e cristãs já custou em trinta e cinco anos de confrontos mais de 30.000 mortos e mais de um milhão de deslocados internos. Enquanto isso, a ofensiva azeri continua: domingo, 6 de agosto, um posto avançado armênio foi fortemente bombardeado.
A situação nos hospitais é dramática porque há semanas faltam remédios e oxigênio.
Além disso, o Azerbaijão está impedindo a transferência dos doentes mais graves para a Armênia, fato que está aumentando a mortalidade entre as camadas mais fracas da população. “Apenas poucos pacientes conseguiram chegar a Yerevan para continuar os tratamentos”, explica um funcionário do governo. Mas pagaram um preço muito alto porque "os doentes e seus acompanhantes foram submetidos a procedimentos de controle humilhantes e tratamentos degradantes: foram filmados e depois as imagens foram explorados pela propaganda do Azerbaijão para demonstrar a abertura normal do Corredor de Lachin. Mas era tudo falso". O episódio mais grave ocorreu no dia 29 de julho: “Vagif Khachatryan, 68 anos, a bordo de uma ambulância da Cruz Vermelha Internacional autorizada a transportá-lo para a Armênia, foi parado e sequestrado pela polícia de fronteira azeri: desde então não há mais notícias dele” contam as testemunhas.
Corredor de Lachin (Imagem: @golden | Wkimedia Commons)
A força de interposição russa, que com base nos acordos assinados em 2020 após a Guerra dos 44 dias deveria ter garantido o acesso e a segurança do Karabakh, é acusada de traição.
“Não fez nada para nos defender: são cúmplices dos graves crimes cometidos pelo Azerbaijão, devem ir embora”, acusa Karen Ohanjanyan, fundadora da organização de direitos humanos "Helsinky-Iniciative 92". Não basta o outdoor gigante dedicado a "Putin homem do ano" colocado na entrada de Stepanakert para esclarecer as relações opacas entre o "czar" e a família Aliyev. Porque a Rússia apesar de estar ao lado da Armênia no CSTO - a aliança militar formada por alguns países do antigo Pacto de Varsóvia - é ao mesmo tempo o principal fornecedor de armas do Azerbaijão, armas usadas há mais de trinta anos justamente contra os armênios. Mas em direção a Baku flui também o rio de petróleo extraído na Rússia e depois triangulado para a Europa contornando as sanções pela guerra na Ucrânia. É difícil pensar que Moscou possa renunciar de um parceiro tão precioso com quem compartilha também a amizade com a Turquia, o eterno inimigo da Armênia.
“Todas as ações empreendidas pelo Azerbaijão nos últimos meses, desde as manifestações dos falsos ecoativistas (entre os quais simpatizantes da formação terrorista turca dos Lobos Cinzentos, ndr) à instalação do posto de bloqueio ilegal em Lachin, foram planejadas para tornar a vida impossível para a nossa população: uma verdadeira operação de limpeza étnica está em curso em Nagorno Karabakh”, denuncia o Ministério das Relações Exteriores da Armênia. "Negar o direito à livre circulação de pessoas, veículos e mercadorias constitui plausivelmente uma discriminação racial", sentenciou o Tribunal Internacional de Haia em 6 de julho passado, ordenando a Baku a reabertura imediata da fronteira, intimação que não foi atendida.
A Armênia apelou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para "usar todos os instrumentos à sua disposição para garantir a implementação das ordens do Tribunal Internacional de justiça, impedir a catástrofe humanitária e interromper a limpeza étnica em Nagorno Karabakh". As declarações do embaixador da República da Armênia na Itália, Tsovinar Hambardzumyan também são claras: "Não é mais tolerável que o Azerbaijão continue a ignorar sentenças, resoluções e declarações violando sistematicamente suas obrigações internacionais”. Palavras compartilhadas pelo Presidente de Karabakh, Araik Arutyunyan, na sua última carta ao Conselho Europeu: “Ainda não perdemos a esperança na superioridade do direito internacional sobre essas forças obscuras que, nestes dias sombrios para toda a humanidade, estão tentando cometer o genocídio de um povo que ama simplesmente sua liberdade". A liberdade de um país que nunca conheceu um dia de paz desde o seu nascimento.
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O campo de concentração dos armênios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU